Por Solène Tadié
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30 de abr de 2025 às 10:17
Os cardeais europeus têm sobre os ombros uma pesada responsabilidade pelo destino de seu continente, que enfrenta desafios sem precedentes desde a Igreja dos primeiros séculos, ao entrarem na Capela Sistina para eleger o sucessor ao trono de Pedro. Numa época em que alguns creem que a Europa pode em breve se tornar irrelevante devido à crescente proeminência do Sul Global, onde a Igreja cresce mais rapidamente, ela continua sendo, como seu centro de gravidade institucional e teológico, um ator-chave no resultado do conclave.
Com 53 dos 135 cardeais-eleitores vindos da Europa, um terço dos quais italianos, suas prioridades e preocupações coletivas influenciarão não só a escolha do próximo papa, mas também a direção da Igreja num mundo em rápida mudança.
Está ficando claro, no entanto, que o bloco europeu não está mais unificado. As divisões sobre o legado das reformas do papa Francisco e a resposta da Igreja a várias manifestações de secularismo refletem rachaduras culturais e teológicas mais profundas. Os cardeais europeus estão diante de um exercício difícil de equilíbrio: preservar as doutrinas e a identidade tradicionais da Igreja e, ao mesmo tempo, adaptar-se a novas realidades sociais.
Combatendo o secularismo, o abuso sexual e as divisões na Igreja 3d2s
Uma das preocupações mais urgentes para eles será o secularismo generalizado e a perda drástica da influência religiosa na Europa. Outrora o coração da cristandade, a Europa agora tem países onde os que dizem não ter religião são maioria. A frequência às missas caiu drasticamente desde a década de 1970, e a influência moral da Igreja sobre a vida pública foi quase completamente anulada, especialmente em países como França e Alemanha. A necessidade de enfrentar os crescentes desafios às instituições religiosas e à liberdade religiosa nessas sociedades seculares, em que movimentos pró-vida operam legalmente, mas enfrentam crescente pressão social e política que ameaça sua participação no discurso público, pode ser uma prioridade fundamental para muitos deles.
Essas tendências alarmantes são acompanhadas por um novo fenômeno: o aumento espetacular do número de batismos de jovens adultos nas celebrações da Páscoa em certos países do Velho Continente — principalmente França, Inglaterra e Bélgica. A necessidade de acompanhar esse fenômeno adequadamente para que ele dê frutos a longo prazo também não deve escapar à atenção dos cardeais eleitores, especialmente porque a Conferência Episcopal sa acabou de anunciar a realização de um concílio provincial para enfrentar os desafios dos novos catecúmenos a partir do Pentecostes do ano que vem.
Os cardeais buscarão um papa capaz de inspirar o respeito dos líderes europeus e de se dirigir às gerações mais jovens em busca de referências morais e identitárias, de forma adaptada à linguagem e aos códigos atuais.
Além disso, a crise dos abusos sexuais continua sendo uma ferida grave na Igreja na Europa. Escândalos na Alemanha, na França, na Espanha, na Bélgica e na Itália abalaram gravemente a confiança pública. Embora o papa Francisco tenha introduzido algumas reformas, muitos cardeais europeus acreditam que medidas mais decisivas são necessárias. Alguns deles vão pressionar por maior transparência e responsabilização. Outros podem ser mais cautelosos ao abordar reformas estruturais mais profundas, temendo que isso possa criar um clima de suspeita excessiva e, em última análise, minar o sacerdócio e a autoridade da Igreja, ou mesmo comprometer o sigilo da confissão.
A questão da unidade da Igreja também foi levantada pelo recente Caminho Sinodal Alemão (2019-2023) e pelos planos de transformá-lo num concílio sinodal permanente, que desafia doutrinas fundamentais da Igreja sobre sexualidade, ordenação feminina e pregação leiga, causando tensões com a Santa Sé. O Sínodo da Sinodalidade, iniciado pelo papa Francisco entre 2021 e 2024, revelou ainda mais as crescentes divisões entre os bispos europeus sobre o grau de autoridade que as Igrejas nacionais devem ter na formação da prática católica, o que será outra área inevitável de preocupação.
Ao mesmo tempo, a redefinição dos movimentos políticos em curso em toda a Europa, marcada em particular pelo surgimento de partidos populistas de direita, certamente terá um impacto na vida das Igrejas nacionais. Com muitos desses novos líderes afirmando abertamente sua fé cristã e sua simpatia pela Igreja, muitos cardeais podem se sentir inclinados a eleger um papa que possa dialogar habilmente com eles e, assim, manter a influência da Santa Sé sem comprometer sua independência e universalidade.
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Por fim, eles necessariamente terão em mente a futura implementação do motu proprio Traditionis custodes , que impôs severas restrições à celebração da missa tradicional em latim. Isso causou grande tensão entre a hierarquia da Igreja e comunidades locais ligadas à liturgia anterior à reforma do Concílio Vaticano II, compostas em grande parte por jovens: o futuro do cristianismo.
Três blocos principais l282
Essas dinâmicas contrastantes promoveram o surgimento de três blocos principais que vão moldar a abordagem dos cardeais votantes ao conclave.
O bloco reformista ou "pró-Francisco" busca a continuidade da abordagem pastoral do papa argentino, amplamente focada na misericórdia, na justiça social e no diálogo inter-religioso. Esse grupo está aberto a reformas em questões como a inclusão de uniões homossexuais, o o à Comunhão para casais divorciados recasados e um maior envolvimento dos leigos. Eles também defendem uma maior promoção do ecumenismo e do diálogo com o islã. Cardeais como o italiano Matteo Zuppi, o português José Tolentino de Mendonça, ex-prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação da Santa Sé, o francês Jean-Marc Aveline e o polonês Grzegorz Ryś estão entre eles. É provável que pressionem por um maior engajamento da Igreja com a sociedade moderna.
O bloco conservador, por outro lado, favorece a clareza doutrinária e a consistência moral em detrimento da flexibilidade pastoral. Esse grupo encara a descentralização e a evolução doutrinária com cautela, vendo tais mudanças como uma ameaça à unidade e à autoridade histórica da Igreja. Eles provavelmente defenderão um esclarecimento e uma revisão dos vários motu proprios do papa Francisco, que veem como confusos por parte da Igreja institucional e dos fiéis, como disse recentemente o vaticanista italiano Andrea Gagliarducci. Cardeais como Gerhard Müller, da Alemanha, Péter Erdő, da Hungria, ou Wim Eijk, da Holanda, são figuras proeminentes nesse grupo.
Um bloco final, que poderia ser definido como os estabilizadores institucionais, concentra-se na governança da Santa Sé e na estabilidade interna. Esse grupo busca equilibrar tradição e flexibilidade pastoral sem introduzir grandes mudanças estruturais. Cardeais como o italiano Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé durante o pontificado de Francisco; o suíço Kurt Koch, ex-prefeito do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos; e o italiano Claudio Gugerotti, ex-prefeito do Dicastério para as Igrejas Orientais, estão nessa facção. Sejam progressistas ou conservadores, esses perfis são vistos como essencialmente pragmáticos e propensos a apoiar um papa capaz de unir as várias facções dentro da Igreja e restaurar a credibilidade da Santa Sé sem introduzir reformas disruptivas.
Preservar o peso institucional da Europa 2q356l
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Os cardeais europeus votantes, 17 dos quais são italianos, provavelmente vão se esforçar para manter sua influência na governança da Santa Sé, já que um novo papa do Sul Global poderia consolidar ainda mais a mudança cultural iniciada pelo papa Francisco. O desafio deles será, portanto, encontrar um papa que consiga preservar o peso institucional da Europa sem comprometer o impulso crescente do sul.
Embora o próximo papa possa não ser europeu, os votos dos cardeais europeus terão um peso significativo. Eles desejarão, como novo sucessor de São Pedro, um homem capaz de reforçar a clareza doutrinária e restaurar a credibilidade da Igreja, ao mesmo tempo em que responderá às novas realidades sociais e políticas sem alienar facções-chave. É improvável que um candidato único satisfaça todos esses critérios, mas as prioridades dos cardeais europeus vão pesar fortemente na agenda do próximo papa. Os riscos são ainda maiores, visto que uma perda de influência europeia consolidada ao longo do tempo poderia mudar definitivamente a face da Igreja universal.
Solène Tadié é correspondente europeia do National Catholic . Ela é franco-suíça e cresceu em Paris (França). Depois de se formar em jornalismo pela Universidade Roma III, ela começou a fazer matérias sobre Roma e o Vaticano para a Aleteia. Ingressou no L’Osservatore Romano em 2015, onde trabalhou sucessivamente na seção sa e nas páginas culturais do jornal italiano. Ela também colaborou com várias organizações de mídia católicas de língua sa. Solène é bacharel em filosofia pela Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino.