VATICANO, 24 de mar de 2016 às 11:20
3x4j22
O Papa Francisco presidiu na manhã de hoje a Missa do Crisma na Basílica de São Pedro, na qual consagrou os óleos que serão utilizados durante todo o ano para os distintos sacramentos nas paróquias de Roma.
Confira a seguir a sua homilia na íntegra:
Na sinagoga de Nazaré, ao escutarem dos lábios de Jesus – depois que Ele leu o trecho de Isaías – as palavras «cumpriu-se hoje mesmo este o da Escritura que acabais de ouvir» (Lc 4, 21), poderia muito bem ter irrompido uma salva de palmas; em seguida, com íntima alegria, teriam podido chorar suavemente como chorava o povo quando Neemias e o sacerdote Esdras liam o livro da Lei, que tinham encontrado ao reconstruir as muralhas. Mas os Evangelhos dizem-nos que os sentimentos surgidos nos conterrâneos de Jesus situavam-se no lado oposto: afastaram-No e fecharam-Lhe o coração. Ao princípio, «todos davam testemunho em seu favor e se iravam com as palavras repletas de graça que saíam da sua boca» (Lc 4, 22); mas depois uma pergunta insidiosa começou a circular entre eles: «Não é este o filho de José, o carpinteiro? » E, por fim, «encheram-se de furor» (Lc 4, 28); queriam precipitá-Lo do cimo do penhasco... Cumpria-se assim aquilo que o velho Simeão profetizara a Nossa Senhora: será «sinal de contradição» (Lc 2, 34). Com as suas palavras e os seus gestos, Jesus faz com que se revele aquilo que cada homem e mulher traz no coração.
E precisamente onde o Senhor anuncia o evangelho da Misericórdia incondicional do Pai para com os mais pobres, os mais marginalizados e oprimidos, aí somos chamados a escolher, a «combater o bom combate da fé» (1 Tim 6, 12). A luta do Senhor não é contra os seres humanos, mas contra o demónio (cf. Ef 6, 12), inimigo da humanidade. Assim o Senhor, «ando pelo meio» daqueles que queriam liquidá-Lo, «seguiu o seu caminho» (cf. Lc 4, 30). Jesus não combate para consolidar um espaço de poder. Se destrói recintos e põe as seguranças em questão, é para abrir uma brecha à torrente da Misericórdia que deseja, com o Pai e o Espírito, derramar sobre a terra. Uma Misericórdia que move de bem para melhor, anuncia e traz algo de novo: cura, liberta e proclama o ano de graça do Senhor.
A Misericórdia do nosso Deus é infinita e inefável; e expressamos o dinamismo deste mistério como uma Misericórdia «sempre maior», uma Misericórdia em caminho, uma Misericórdia que todos os dias procura fazer avançar um o, um pequeno o mais além, avançando na terra de ninguém, onde reinavam a indiferença e a violência.
Foi esta a dinâmica do bom Samaritano, que «usou de misericórdia» (cf. Lc 10, 37): comoveu-se, aproximou-se do ferido, faixou as suas feridas, levou-o para a pousada, pernoitou e prometeu voltar para pagar o que tivessem gasto a mais. Esta é a dinâmica da Misericórdia, que encadeia um pequeno gesto noutro e, sem ofender nenhuma fragilidade, vai-se alargando aos poucos na ajuda e no amor. Cada um de nós, contemplando a própria vida com o olhar bom de Deus, pode fazer um exercício de memória descobrindo como o Senhor usou de misericórdia para conosco, como foi muito mais misericordioso do que pensávamos, e assim encorajar-nos a pedir-Lhe que faça um pequeno o mais, que Se mostre muito mais misericordioso no futuro. «Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia» (Sal 85/84, 8). Esta forma paradoxal de suplicar um Deus sempre mais misericordioso ajuda a romper aqueles esquemas estreitos onde muitas vezes acomodamos a superabundância do seu Coração. Faz-nos bem sair dos nossos recintos, porque é próprio do coração de Deus transbordar de misericórdia, inundar, espalhando de tal modo a sua ternura que sempre abunde, porque o Senhor prefere ver alguma coisa desperdiçada antes que faltar uma gota, prefere que muitas sementes acabem comidas pelas aves em vez de faltar à sementeira uma única semente, visto que todas têm a capacidade de dar fruto abundante, ora 30, ora 60, e até mesmo 100 por uma.
Como sacerdotes, somos testemunhas e ministros da Misericórdia cada vez maior do nosso Pai; temos a doce e reconfortante tarefa de a encarnar como fez Jesus que «andou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando» (At 10, 38), de mil e uma maneiras, para que chegue a todos. Podemos contribuir para inculturá-la, a fim de que cada pessoa a receba na sua experiência pessoal de vida e possa, assim, compreendê-la e praticá-la – de forma criativa – no modo de ser próprio do seu povo e da sua família.
Hoje, nesta Quinta-feira Santa do Ano Jubilar da Misericórdia, gostaria de falar de dois âmbitos onde o Senhor Se excede na sua misericórdia. E, uma vez que é Ele quem dá o exemplo, não devemos ter medo de nos excedermos nós também: um âmbito é o do encontro; o outro, o do seu perdão que nos faz envergonhar e nos dá dignidade.
O primeiro âmbito onde vemos que Deus Se excede numa Misericórdia cada vez maior, é o do encontro. Ele dá-Se totalmente e de um modo tal que, em cada encontro, a diretamente à celebração duma festa. Na parábola do Pai Misericordioso, ficamos estupefatos ao ver aquele homem que corre, comovido, a lançar-se ao pescoço de seu filho; vendo como o abraça e beija e se preocupa por lhe pôr o anel que o faz sentir-se igual, e as sandálias próprias de quem é filho e não um assalariado; e como, em seguida, põe tudo em movimento, mandando que se organize uma festa.
Ao contemplarmos, sempre maravilhados, esta superabundância de alegria do Pai, a quem o regresso do filho consente de expressar livremente o seu amor, sem hesitações nem distâncias, não devemos ter medo de exagerar no nosso agradecimento. A justa atitude, podemos apreendê-la daquele pobre leproso que, vendo-se curado, deixa os seus nove companheiros que vão cumprir o que ordenou Jesus e regressa para se ajoelhar aos pés do Senhor, glorificando e dando graças a Deus em alta voz.
A misericórdia restaura tudo e restitui as pessoas à sua dignidade originária. Por isso, a justa resposta é uma efusiva gratidão: é preciso iniciar imediatamente a festa, vestir o traje, eliminar os ressentimentos do filho mais velho, alegrar-se e festejar.... Porque só assim, participando plenamente naquele clima festivo, será possível depois pensar bem, pedir perdão e ver mais claramente como se pode reparar o mal cometido. Pode fazer-nos bem questionarmo-nos: depois de me ter confessado, festejo? Ou o rapidamente para outra coisa, como quando, depois de ter ido ao médico, vemos que as análises não deram um resultado assim tão ruim e fechamo-las de novo no envelope, e amos a outra coisa. E, quando dou esmola, deixo tempo a quem a recebe para expressar o seu agradecimento, festejo o seu sorriso e aquelas bênçãos que nos dão os pobres, ou continuo apressado com as minhas coisas depois de «ter deixado cair a moeda»?
Receba as principais de ACI Digital por WhatsApp e Telegram y3i42
Está cada vez mais difícil ver notícias católicas nas redes sociais. Inscreva-se hoje mesmo em nossos canais gratuitos:
O outro âmbito onde vemos que Deus excede numa Misericórdia cada vez maior, é o próprio perdão. Não só perdoa dívidas incalculáveis, como fez com o servo que lhe suplica e, em seguida, se mostra mesquinho com o seu companheiro, mas faz-nos ar diretamente da vergonha mais envergonhada para a dignidade mais alta, sem qualquer etapa intermédia. O Senhor deixa que a pecadora perdoada o lave, familiarmente, os pés com as suas lágrimas. Logo que Simão Pedro se confessa pecador pedindo-Lhe para Se afastar dele, Jesus eleva-o à dignidade de pescador de homens. Nós, ao contrário, tendemos a separar as duas atitudes: quando nos envergonhamos do pecado, escondemo-nos e caminhamos com os olhos em terra, como Adão e Eva, e, quando somos elevados a qualquer dignidade, procuramos cobrir os pecados e gostamos de nos mostrar, de quase nos pavonearmos.
A nossa resposta ao perdão superabundante do Senhor deveria consistir em manter-nos sempre naquela saudável tensão entre uma vergonha dignificante e uma dignidade que sabe envergonhar-se: atitude de quem procura, por si mesmo, humilhar-se e abaixar-se, mas é capaz de aceitar que o Senhor o eleve para benefício da missão, sem se comprazer. O modelo que o Evangelho consagra e nos pode ser útil quando nos confessamos é o de Pedro, que se deixa interrogar longamente sobre o seu amor e, ao mesmo tempo, renova a sua aceitação do ministério de apascentar as ovelhas que o Senhor lhe confia.
Para entrar mais profundamente nesta «dignidade que sabe envergonhar-se», que nos salva de nos crermos mais ou menos do que somos por graça, pode-nos ajudar ver que – na agem de Isaías, que o Senhor lê hoje na sua sinagoga de Nazaré – o profeta continua dizendo: «E vós sereis chamados “sacerdotes do Senhor”, e nomeados “ministros do nosso Deus”» (61, 6). É o povo pobre, faminto, prisioneiro de guerra, sem futuro, um resto descartado, que o Senhor transforma em povo sacerdotal.
Nós, como sacerdotes, identifiquemo-nos com aquele povo descartado, que o Senhor salva, e lembremo-nos de que existem multidões inumeráveis de pessoas pobres, ignorantes, prisioneiras, que estão naquela situação porque outros as oprimem. Mas lembremo-nos também de que cada um de nós sabe em que medida tantas vezes somos cegos, estamos privados da luz maravilhosa da fé, e não porque nos falte o Evangelho ao alcance da mão, mas por um excesso de teologias complicadas. Sentimos que a nossa alma morre sedenta de espiritualidade, e não por falta de Água Viva – que nos limitamos a sorver aos goles – mas por um excesso de espiritualidades sem compromisso, espiritualidades superficiais.
Também nos sentimos prisioneiros, não cercados – como tantos povos – por muros intransponíveis de pedra ou barreiras de aço, mas por um mundanismo virtual que se abre e fecha com um simples clique. Somos oprimidos, não por ameaças e empurrões, como muitas pessoas pobres, mas pelo fascínio de mil e uma propostas de consumo a que não conseguimos renunciar para caminhar, livres, pelas sendas que nos conduzem ao amor dos nossos irmãos, ao rebanho do Senhor, às ovelhas que aguardam pela voz dos seus pastores.
E Jesus vem resgatar-nos, fazer-nos sair, para nos transformar de pobres e cegos, de prisioneiros e oprimidos em ministros de misericórdia e consolação. Diz-nos Ele, com as palavras do profeta Ezequiel ao povo que se prostituíra, traindo gravemente o seu Senhor: «Eu lembrar-Me-ei da minha aliança que fiz contigo no tempo da tua juventude (…). Ao recordares a tua conduta, sentirás vergonha, quando receberes as tuas irmãs, as que são mais velhas e as que são mais novas do que tu, pois as dou como filhas, mas não em virtude da tua aliança. Porque Eu estabelecerei contigo a minha aliança e, então, saberás que Eu sou o Senhor, a fim de que te lembres de Mim e sintas vergonha, não abras mais a boca no meio da tua confusão, quando Eu te perdoar tudo o que fizeste – oráculo do Senhor Deus» (És 16, 60-63).
Neste Ano Jubilar, celebremos, com toda a gratidão de que seja capaz o nosso coração, o nosso Pai e supliquemos-Lhe que «Se recorde sempre da sua Misericórdia»; recebamos, com aquela dignidade que sabe envergonhar-se, a Misericórdia na carne ferida de nosso Senhor Jesus Cristo, e peçamos-Lhe que nos lave de todo o pecado e livre de todo o mal; e, com a graça do Espírito Santo, comprometamo-nos a comunicar a Misericórdia de Deus a todos os homens, praticando as obras que o Espírito suscita em cada um para o bem comum de todo o povo fiel de Deus.
Confira ainda:
Mais em 4h2f4e
Jubileu dos Movimentos e novas Comunidades reúne 70 mil peregrinos em Roma
1l724b
Ler o artigo